O brasileiro é machista. A brasileira também.

Pesquisa recente do Instituto Avon e Data Popular revelou alguns dados interessantes sobre o “estágio de desenvolvimento”, como vou chamar, da juventude brasileira, no que se refere à relação de (des)igualdade entre os sexos. Isso é interessante para entendermos os limites e desafios que se impõem sobre as práticas do sagrado no masculino e no feminino. Vejamos.

Segundo os dados divulgados no início de dezembro de 2014, 48% dos jovens pesquisados consideram errado a mulher sair sozinha com amigos, sem a companhia do marido / namorado / “ficante”. Foram ouvidos 2.046 jovens de 16 a 24 anos em todo país, sendo 1.029 mulheres e 1.017 homens. A pesquisa mostrou ainda que:
– 96% dos jovens acreditam viverem em uma sociedade machista
– 68% acham errado a mulher ir para a cama no primeiro encontro
– 76% criticam aquelas que têm vários “ficantes”
– 80% afirmam que a mulher não deve ficar bêbada em festas/baladas
– 78% das jovens afirmam terem sido assediadas de alguma forma (inclui: cantada ofensiva, abordagem violenta na balada e beijo forçado)
– 1/3 declararam terem sido assediadas fisicamente no transporte público

A coisa piora um pouco quando o tema são os relacionamentos íntimos. Entre as garotas:
– 53% já tiveram o celular vasculhado pelo parceiro
– 40% têm parceiro que controla o que elas fazem e com quem estão
– 35% foram xingadas pelo namorado
– 33% impedidas de usar determinada roupa
– 9% obrigadas a fazer sexo contra a vontade (hello, isso é “estupro”!)
– 37% tiveram relação sem camisinha por influência do parceiro
– 32% tiveram que excluir alguém do Facebook por influência do parceiro
– 30% tiveram email ou perfil de rede social invadido pelo namorado
– 28% foram impedidas de conversar com amigos virtualmente

Com relação ao machismo do título da coluna, mais mulheres do que homens (42% delas e 41% deles) disseram concordar que “uma garota deve ficar com poucos homens”. E ainda 43% dos garotos diferenciam entre garotas que são “apenas para ficar” daquelas que são “para namorar”. Ou seja, aquelas que ficam com muitos homens não são para namorar; 34% das jovens pensam o mesmo. Mulheres que usam decote e saia curta estão se oferecendo, segundo 30% dos homens e 20% (!!!) das mulheres.

Ou seja, é possível concluir que a juventude brasileira média ainda tem, na sua relação íntima, a maturidade do típico estereótipo de família em que o homem enxerga a mulher como sua “propriedade” e que, portanto, ela deve lhe prestar contas, servir sexualmente, e lhe obedecer cegamente.

É o padrão de famílias dos anos 50 na Europa e Estados Unidos: o macho dominante que provê para a casa e dá a segurança física e a estabilidade material para a família – quando ele está presente e ainda não morreu no crime/tráfico de drogas, ou simplesmente sumiu por abandono da família –, e a fêmea submissa, dona de casa ou com um trabalho que apenas contribui marginalmente para a renda da família, responsável pela segurança emocional (dele inclusive) e pelos serviços sexuais ao marido.

Isso caracteriza o que chamarei aqui de “sociedade de 1º estágio”, tipificada na relação íntima por uma situação de dependência entre o homem e a mulher: ele depende dela emocional e sexualmente, ela depende dele para a segurança material. Esse padrão de comportamento é consistente com os dados obtidos pela pesquisa do Instituto.

À medida que o progresso material e psíquico acontece, a sociedade começa a entrar no que vou chamar de “2º estágio”, onde há uma maior (ou completa!) igualdade de direitos e de fato entre os gêneros. Nesse estágio, a mulher já conquistou seu lugar no mercado de trabalho, assume funções de liderança antes tipicamente exclusivas dos homens, chegando aos Conselhos de Administração e às posições de CEO em empresas relevantes. Ao mesmo tempo, no simétrico da escala, o homem aprendeu a entrar em contato com seus sentimentos: ele fez terapia, meditação, participou de grupos de homens, descobriu seu “lado feminino” e seu contato com a “Mãe Terra”, com a natureza em geral. Aprendeu a ficar menos “rígido” e a “seguir o fluxo” das coisas.

Importante notar que é um avanço essa migração – tanto individual quanto coletiva – do 1º para o 2º estágio: é um movimento libertador, para ambas as partes, que saem de uma posição de co-dependência para uma situação nova, de autonomia em si mesmos. Cada um “aprende a cuidar de si”, no 2º estágio: a mulher, passa a prover para o seu sustento e deixa de depender materialmente do marido; o homem, passa a compreender melhor seus sentimentos e a cuidar de si emocionalmente. No entanto, ao mesmo tempo em que isso acontece, há um efeito colateral subjacente, que em geral passa despercebido, mas que é um dos elementos mais críticos e presentes na atual “doença moderna dos relacionamentos”. O movimento do 1º para o 2º estágio traz consigo uma despolarização da relação masculino-feminino. Explico.

A mulher, ao sair “do lar” e assumir o cuidado das próprias finanças e por vezes o sustento de toda a família, faz um movimento do feminino (cuidar da casa / do lar) para o masculino (competir no mercado de trabalho). Nesse movimento, ela precisa incorporar aspectos típicos do masculino: direcionalidade, intenção, competição, missão, visão, foco, determinação, comunicação clara, consistência de propósitos, liderança de equipes. Ela passa a absorver e incorporar em sua ação no mundo essas qualidades do killer, típicas do masculino e necessárias para a competição no mercado de trabalho, simplesmente porque o Sistema funciona desse modo no mundo capitalista e exige esse tipo de comportamento para o sucesso. Assim, uma mulher com essência sexual feminina terá de adotar uma “capa” masculina para funcionar no mundo.

Até aí tudo bem, desde que ela pudesse se despir da “capa” assim que finalizasse sua “missão” fora de casa. Mas o problema é que as exigências do mercado de trabalho atual e o ritmo alucinante de desenvolvimento e crescimento das empresas restringe cada vez mais o tempo livre e, sem uma prática de reconexão adequada para o seu “tipo”, a mulher acaba chegando em casa para sua “segunda jornada” de trabalho: cuidar da casa, dos filhos, das tarefas escolares das crianças, etc. etc. etc. E isso acontece tanto em lares nos quais o marido já se foi, quanto nos lares em que ele está presente, mas na maioria das vezes cumpre jornada de trabalho igualmente longa e estressante, com praticamente nenhum tempo livre para a sua reconexão consigo e com a parceira. Falei da mulher. E o homem?

No caso dos homens, essa ascensão das mulheres a posições de liderança no mercado de trabalho – e, consequentemente, a maior independência financeira para sua parceira, que não precisa mais ficar em casa e depender dele – trouxe uma insegurança crescente, refletida não apenas em um novo tipo de competição no trabalho, mas também em uma parceira que tem opinião própria, sabe o que quer, tem independência financeira e “cuida do próprio nariz”, como diz o ditado. Isso deixou os homens com um novo tipo de vulnerabilidade, financeira além da emocional (que já existia desde sempre pelo perfil da criação masculina, a menos que o homem tenha buscado o auto-conhecimento). O reflexo dessa nova fragilidade é um bando de bundas-moles sem noção do que querem da vida: homens sem espinha, sem direção, sem capacidade de conduzir e guiar através das intempéries do mundo (desafios do trabalho) e da mulher (desafios no sexo e no relacionamento). E, portanto, sem capacidade de foder a sua mulher e abri-la para o Divino – que é o que o Feminino deseja, em seus lugares mais íntimos.

E aqui reside a causa de boa parte dos problemas de relacionamento no mundo moderno. A mulher independente, que confia mais na sua direção do que na dele e, assim, se recusa a se entregar, a se abandonar (surrender). O homem suave, que perdeu a espinha junto com a dureza do “macho chovinista” do 1º estágio, mas ainda não encontrou sua capacidade profunda de navegar o mundo (= a sua mulher, o trabalho, etc.) com intuição, direção e integridade.

A saída? A reconexão com o sagrado masculino e o sagrado feminino e a migração de ambos para o 3º estágio. Tema da próxima coluna.

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