Marcado: auto-engano

Feminino equivocado – ou, “De como eu me achava masculina!”

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Neste feriado de Carnaval, recebemos no Retiro Tao Tien um grupo muito dinâmico e interessante de homens e mulheres interessados em se investigar sob a lupa do masculino e do feminino sagrados.

Embora eu talvez possa dizer que todos foram de alguma forma tocados pela vivência que fizemos lá, aproveito o espaço aqui no blog para mencionar um tema que me chamou particularmente a atenção, pois apareceu para quase metade das mulheres participantes e pelo menos um dos homens: a noção (ou o “pré-conceito”) de que a sua essência sexual era polarizada no outro gênero. Ou seja, estas mulheres chegaram ao workshop com a certeza de que suas essências eram completamente masculinas, ao passo que um dos homens tinha certeza de que era “muito feminino”. (Note que isso não tem nada a ver com a orientação sexual destas pessoas, que eram heterossexuais em todos estes casos.)

Começo pelas mulheres, já que o foco da coluna de hoje é o feminino. Ao longo dos quatro dias de trabalho, foi lindo observar cada uma delas entrando em contato com sua essência e se descobrindo absolutamente femininas, em alguns casos extremamente femininas, na “ponta” da escala de polaridade que vai do feminino extremo ao masculino extremo, com um ponto “neutro” no centro. Mas não foi esse o ponto principal. A questão central foi a surpresa de todas elas ao se descobrirem femininas e, em alguns casos, muito femininas.

Refletindo sobre o tema em uma das sessões, nos demos conta de que parte dessa surpresa decorre de um mal entendido básico acerca da natureza essencial do feminino. Praticamente todas estas mulheres compartilhavam uma visão comum do feminino como algo “frágil”, “indefeso”, “inferior”, e, assim, rejeitavam a possibilidade de serem elas mesmas reduzidas a isso. Sem dúvida, essa opinião comum a mulheres com diferentes experiências de vida e que não se conheciam fala muito sobre a educação e um certo ethos do brasileiro na sua relação com o feminino.

Infelizmente, vivemos em um país de 1º estágio, no qual o condicionamento social ainda é tal que o homem é educado como ser superior e treinado a tratar a mulher como objeto de seu prazer através de milhares de horas de “Show da Xuxa”, “Programa do Faustão” e Valescas Popozudas que abundam nos meios de comunicação de massa, bombardeando nossas crianças desde a mais tenra idade com imagens absolutamente inadequadas de precoce sensualização.

Na vida adulta, a superexposição do corpo – especialmente o feminino – e a exagerada valorização de um certo tipo de beleza – que, para desespero das mulheres que ansiosamente o perseguem, muda ao sabor dos ditames dos czares da moda – impõem uma frustração generalizada nas mulheres (e, em menor grau, nos homens), que fazem de tudo para se aproximar do tal “padrão”, sem contudo jamais chegarem lá. Talvez seja essa dupla combinação de sensualização precoce com superexposição de um certo padrão de corpo feminino que torna o Brasil um dos campeões mundiais de cirurgias plásticas. Infeliz estatística.

Em um mundo desses, não é de se estranhar que as mulheres acabem por se distanciar e mesmo rejeitar esse feminino que foi “ensinado” aos meninos e meninas desde tenra idade, identificando-se assim – erroneamente – com o masculino, ou com aquilo que acreditam ser o masculino, em si mesmas. “Sempre me achei masculina”, “gosto de fazer coisa de homem, tomar cerveja com as amigas no bar”, “sempre soube o que quis fazer e vou atrás dos meus objetivos”, foram algumas das frases mencionadas no final de semana por estas mulheres, como exemplos de sua “masculinidade”.

No entanto, confrontadas com uma visão mais profunda e generosa do feminino, segundo a qual o feminino é a própria energia da vida, aquilo que move a natureza, o clima, os humores, as mudanças de textura de cada ambiente, variando e mudando de forma a cada instante, enfim, com um feminino entendido como a própria energia do Universo, ilimitada, todas estas mulheres puderam experimentar – talvez pela primeira vez – o prazer de relaxar neste feminino amplo, ilimitado, impossível de ser contido, forte e suave ao mesmo tempo, e puderam permitir que seus corpos se movessem a partir desta energia interior recém descoberta. Assim, identificaram corretamente sua essência sexual como feminina, e não mais como erroneamente masculina, como acreditavam inicialmente.

Os “efeitos colaterais” dessa descoberta foram visíveis: risos, lágrimas, expressões faciais mais suaves, percepção de estarem mais presentes em seus próprios corpos, sensação do corpo mais aberto e relaxado, de modo que todas “brilhavam” já no meio do andamento dos trabalhos. Incrível o resultado que a simples apresentação do feminino sob um conceito mais correto e generoso de suas qualidades, aliada a e apoiada por um conjunto simples de práticas de respiração e outras práticas físicas, provocou em todas as mulheres que frequentaram este workshop de Carnaval. Um presente único para cada uma delas, bem como para os homens que testemunharam o processo.

Para encerrar, vale mencionar também a experiência de um dos homens ali presentes. Caso típico de criação com pai (= figura masculina) ausente, ele se percebia – erroneamente – como “muito feminino” e ficou extremamente surpreso ao ouvir o feedback das mulheres do grupo, que, em consenso, afirmaram perceber sua essência bastante masculina, inclusive com o depoimento de sua amiga de infância que o acompanhou ao workshop, afirmando que “sempre se sentiu ‘segura’ ao lado dele, por causa de sua presença masculina”. Essa já era minha opinião na entrevista de seleção para o grupo, mas sempre o impacto é muito maior de ouvir isso de todas as mulheres participantes.

Enfim, muito aprendizado em um curto espaço de tempo. Agora, meus votos de que cada uma delas (e deles!) se mova no mundo a partir desta nova realização.

Aho!

“Abrindo uma mulher” — Atenção homens!

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Considerando a proximidade do nosso retiro de Carnaval no Tao Tien, achei relevante compartilhar um texto da linda professora de tantra Shashi Solluna, que “puxa as orelhas” dos homens e faz um alerta muito importante, do ponto de vista do feminino, sobre a nossa responsabilidade (dos homens) na relação com o feminino em situações de abertura e confiança. E, pensando bem, serve também para os “carnavalescos” de plantão, que vão “pular” um carnaval mais “convencional”…

Segue a coluna, depois eu comento. E, para quem quiser ler em inglês, a versão original:

http://shashisolluna.com/2015/01/16/opening-a-woman/#comment-1709

“Onde quer que eu vá na cena Tântrica, me deparo com o mesmo fenômeno: um bando de homens que proclamam orgulhosamente serem capazes de “abrir as mulheres”. Isso em geral significa que eles estão oferecendo yoni-massagem (massagem sexual) e experiências orgásmicas.

Não me levem a mal: eu acho que um dos melhores aspectos do masculino é o desejo de abrir uma mulher. É fato que, frequentemente, o outro é capaz de nos abrir, mais do que somos capazes de nos abrirmos sozinhas. Isso acontece porque somos capazes de nos rendermos a um outro, ao passo que, por conta própria, sempre há um elemento de manutenção do controle. Assim, esse aspecto do masculino que se delicia em abrir uma mulher pode ser um dom precioso e excelente.

Entretanto, eu gostaria realmente de dizer algo a estes homens.

Abrir uma mulher tem o efeito de deixá-la aberta.

Por favor, pause por um momento para considerar o que você está abrindo. Quando você abre uma mulher sexualmente, a energia dela se move (o orgasmo é um gigantesco movimento de energia sexual no corpo). Quando essa energia se move, ela começa a destruir camadas de proteção e de defesa. Isso é algo muito desejável no caminho tântrico…  nós queremos nos livrar destes velhos padrões de defesa. Mas, à medida que antigas defesas se desfazem, uma profunda vulnerabilidade é exposta.

Quando você abre uma mulher, você está abrindo suas camadas profundas, abrindo seu coração, expondo seu mistério, tirando a tampa da caixa de Pandora.

Ela pode experimentar diversas coisas. Geralmente, uma enorme onda de emoções inexplicáveis. Algumas mulheres choram ou riem durante o orgasmo. Podem haver fluxos tremendos de energia… tremor e arrepios de corpo inteiro.

No entanto, se você, depois de abrir uma mulher, se dá um tapinha nas costas e segue em busca da próxima mulher para abrir, você está abandonando uma mulher completamente aberta e vulnerável.

Vejo com muita frequência homens se empolgarem com sua auto-satisfação, sem qualquer compreensão do efeito que estão causando. Se você realmente deseja estar a serviço de abrir as mulheres, então isso não deve ser para satisfazer ao seu ego. E se você estiver verdadeiramente servindo-a, você estará a serviço de tudo naquela mulher… não somente o orgasmo dela, mas também seus sentimentos, suas energias e tudo o mais que surgir para ela. Você está ali para servir a uma mulher através da criação de um espaço seguro e sagrado para ela.

Desse modo, eu com certeza não estou aqui para diminuir o entusiasmo desses homens bem intencionados. Mas eu quero falar em nome de todas as mulheres que já foram deixadas sentindo-se abertas e em estado puro e não-acolhidas.

Por favor, cuide do sagrado feminino. Por favor, reconheça o seu próprio poder. Por favor, seja responsável por suas ações. Por favor, examine-se… você sabe se está agindo a partir do ego ou a serviço. Por favor, não se engane.

Nós queremos receber seus dons. De verdade. Mas estamos prontas para recebê-los de uma maneira alinhada com a cura e o amor.

Não só isso: o Tao Tantra diz que, se o dom de um homem é o de abrir uma mulher sexualmente, o dom da mulher é o de abrir o coração do homem. Se você apenas permite o aspecto sexual, uma mulher é abandonada sentindo-se incompleta e a interação fica desequilibrada.

Há diversas maneiras de se manter o espaço para uma abertura puramente sexual, como em uma massagem profissional. Mas preste atenção na palavra “profissional”. Os profissionais (em geral) sabem como fazer uma mulher se sentir segura e acolhida em uma sessão, com clareza de limites. Todo o ambiente profissional é por si mesmo um container para que a experiência fique ali.

Então, se você é daqueles que fica pulando de um evento de tantra para o outro, “abrindo as mulheres”, eu te peço que por favor pare e examine-se de forma profunda e honesta. Pergunte para você mesmo se não há uma maneira melhor de faze isso e por favor examine de onde vem a sua motivação. Talvez haja uma maneira melhor de oferecer seus dons…

E, por fim, uma nota do Guruji, Bob Marley: “O maior covarde é o homem que desperta o amor de uma mulher, sem nenhuma intenção de amá-la”.

Obrigada, Bob!”


Meus “2-centavos” sobre a coluna da Shashi:

A arena sexual é sem dúvida um dos campos mais interessantes para se trabalhar as questões psicológicas-espirituais-meditativas, por conta da variada quantidade de “traumas” que acumulamos nessa esfera de nossa vida. Traumas que vem à tona exatamente nos momentos de intimidade e relacionamento. O processo de amadurecimento pessoal exige, assim, que cada um examine seus cantos mais escuros e aprenda a lidar de forma mais consciente com estes aspectos do viver, a fim de construir relações mais maduras e verdadeiras com aqueles à nossa volta.

Nesse sentido, uma experiência de tantra pode capacitar um homem a não apenas superar seus traumas e limitações na arena sexual (pau pequeno? ejaculação precoce? insensibilidade e sensação de inadequação?), como a torná-lo esse tipo de “frequentador de workshops” mencionado por Shashi, ou mesmo, em um nível mais “cotidiano”, o famoso “come-todas” de balada em balada, que procura qualquer coisa menos o compromisso de uma relação íntima.

Compromisso é difícil. Exige trabalho, sobre si (inicialmente) e sobre a própria relação — essa 3ª pessoa, com um “CNPJ” próprio que surge quando dois se relacionam e fazem assim emergir aquilo que há de melhor (ou pior) no outro. Exige paciência. Exige entrega, confiança, tempo, dedicação. Mas não tem jeito, há certas descobertas que somente são possíveis em uma relação íntima. E, aos aventureiros de plantão, meu alerta: não adianta ficar “pulando de galho em galho”, iludindo-se na busca incessante daquilo que você não encontrará no outro, senão em si mesmo. E também não adianta apelar para as formas modernas de “não-compromisso”, como relação aberta / poliamore e variações do tipo…

De novo, quem melhor resolveu esse tema foi o Deida. Ele diz o seguinte: relação aberta pode funcionar para quem já praticou uns 20 anos de relação íntima, dedicada e comprometida, e ainda assim somente faria sentido a migração para uma relação aberta se esse movimento for em serviço de toda a comunidade à sua volta. Portanto, decisão deles, e não sua, para seu onanismo pessoal.

Vambora trabalhar? Boa semana a todos!